quarta-feira, 1 de maio de 2013

Um novo olhar sobre a história

Fonte: www.vanhoni.com.br


A criação de 13 cursos impulsionou a profissão no país. Os estudantes têm o desafio de trazer inovação para a área.


Por Marijara Queiroz

Entrevista realizada por Camilla Nyarady




A memória de um país e os principais fatos históricos que marcam a trajetória da nação dependem de alguém para contá-los. Em muitos casos, quem desempenha esse papel é o museólogo. Documentar, coletar, conservar, pesquisar e expor estão entre as funções tradicionais desse profissional, mas o campo de atuação não se limita a isso. As mudanças tecnológicas e sociais estão estimulando alterações também no meio, que se refletem na construção de museus interativos e daqueles voltados à comunidade local, para dar voz à população e ouvir os relatos de moradores. “É esse o caminho da museologia contemporânea: ver-se enquanto uma ciência humana capaz de potencializar os processos que acompanham o movimento da própria sociedade”, relata a professora substituta do curso de museologia da Universidade de Brasília (UnB) Marijara Queiroz. Ela e a estudante do segundo semestre do curso Camilla Nyarady se encontraram no Museu Nacional para conversar sobre a carreira.

Camilla faz parte do grupo de estudantes que se beneficiaram da ampliação da oferta de cursos de museologia no país. Há 10 anos, eram apenas dois, um na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e outro na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Depois da criação da política nacional para museus, foram abertos 13 novos cursos. O reconhecimento da profissão veio alguns anos antes, em 1984, com a Lei nº 7.287, mas continua fortalecendo o campo de atuação. O desafio dos próximos profissionais que entrarão para o mercado de trabalho, como a jovem estudante da UnB, será contribuir para consolidar a atuação dos museólogos e trazer inovação.

Camilla — Como está o mercado de trabalho em nível nacional? Existe carência de profissionais ?
Marijara — O campo de trabalho do profissional museólogo é vasto, sim, e, com o reconhecimento da profissão, amplia-se cada vez mais. Durante muitos anos, existiam apenas dois cursos de museologia no país, o que limitava o número de pessoas com formação específica na área. Isso fazia com que outros profissionais ocupassem o espaço do museólogo. Há pontos favoráveis e desfavoráveis nessa questão. O museólogo perdeu um pouco o espaço, mas, por outro lado, houve um enriquecimento do campo de atuação, pois se tornou uma área mais interdisciplinar. Nos últimos 10 anos, as políticas federais e estaduais, bem como a mobilização da classe, atribuíram maior reconhecimento para a profissão e proporcionaram a criação do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e de 13 cursos de museologia no país, além da oferta de concursos públicos que surgiram dos últimos cinco anos para cá. Dessa forma, pretendemos suprir a carência de museólogos, demarcar territórios de atuação e consolidar a profissão. É isso que se espera a partir da saída dos alunos dos novos cursos de museologia.

Camilla — A profissão ganhou força no país com a criação da política nacional para museus? 
Marijara — Sim. Essa política foi lançada em 2003, sob a gestão do ministro da Cultura Gilberto Gil. Nesses últimos 10 anos, os avanços foram significativos. Ela é, hoje, um instrumento de gestão que norteia as ações e as políticas museológicas de todo o campo. Claro que é preciso implementá-la de uma forma mais efetiva, monitorá-la e utilizá-la de fato enquanto ferramenta de gestão. Além disso, tem o Estatuto de Museus, que está prestes a ser regulamentado. O projeto está tramitando no Congresso Nacional. Mas, repito, é preciso ainda implementar e solidificar as políticas para o fortalecimento do campo.

Camilla — Quais são os possíveis caminhos que um estudante de museologia poderá seguir após a formação?
Marijara — Como campo interdisciplinar, a museologia oferece diversas possibilidades de atuação, seja nos museus, nos cursos de museologia ou em outros espaços educativos e culturais. Se pensarmos no museu como uma instituição que se ocupa de fazer recortes do mundo, nos deparamos com uma área que atua nos campos da arte, da história, da antropologia, da filosofia, das ciências naturais e exatas e outras tantas que atendem a diversidade de temas que o museu é capaz de abranger, com ou sem acervos materiais. Temos, hoje, exemplos de museus que não trabalham no universo do tangível, como é o caso do Museu da Língua Portuguesa, do Museu do Futebol e de tantos outros que têm aberto espaços para trazer diálogos. Ou seja, o caminho pode ser traçado a partir da área de conhecimento de maior interesse. Acho que o estudante é que tem que identificar a sua área e seu campo de interesse. Outra opção é determinar quais as áreas da museologia — técnicas ou políticas — em que o profissional tem mais afinidade, como exposições, educação, conservação, gestão de acervos, administração, elaboração e planejamento de políticas públicas para o setor. Mas o museólogo também deve estar aberto para as possibilidades e inovações, que estão cada vez mais diversificadas. Ao invés de se fechar na áreas que estão estabelecidas, essa nova geração de museólogos que está por vir tem condições de inovar e até de reinventar o campo da museologia, de uma forma mais contemporânea.

Camilla—Atualmente, a museologia social está na agenda de museólogos e governantes. Qual é a origem desse pensamento?
MarijaraA museologia social tem base na ideia de museus integrais, da década de 1970, e se afirmou a partir do Movimento Internacional para uma Nova Museologia, na década de 1980. Nos últimos 10 anos, ganhou mais visibilidade no campo museal brasileiro por conta das práticas sociais em comunidades, sobretudo nas tradicionais ou economicamente desfavorecidas, que têm alguma tensão social latente e que veem na possibilidade de preservação da memória e da história local uma oportunidade de firmar suas identidades e de marcar seus espaços. O programa Pontos da Memória é um exemplo desse processo, suas ações se dão na perspectiva de garantir o direito ao protagonismo social a essas pessoas da comunidade e fazer com que elas próprias contem suas narrativas e falem na primeira pessoa. A ideia é romper coma hegemonia do museu clássico, que, emgeral, conta a história da elite branca e dos economicamente mais favorecidos. Hoje, nós já temos experiências de museologia social consolidadas no país, como é o caso do Museu de Favela, no Rio de Janeiro, que é conhecido internacionalmente. Em Brasília, temos o museu da Estrutural, que foi pensado na perspectiva de contar a história e resgatar a memória local como instrumento de luta pela permanência no espaço.

Camilla—A museologia pode, de fato, combater a desigualdade e os problemas sociais?
Marijara— O combate às desigualdades sociais é uma luta que deve permear todas as classes e categorias profissionais. Dessa forma, acho que é também responsabilidade do campo de atuação da museologia. Há quem acredite que toda museologia é — ou deveria ser — social, e que a ênfase para essa área pode desconstruir o papel social intrínseco ao museu. Eu, particularmente, gosto de pensar a museologia social como uma política de reparação, uma ação afirmativa, já que, quando é diluída como atribuição atinente dos museus, ela nunca funcionou. A maioria dos museus permanece em seus pedestais burgueses, com atividades isoladas e quase invisíveis voltadas para a educação e para inclusão social. São ações pontuais, que os museus, em geral, fazem como se fosse para garantir uma cota para a inclusão social ou para a educação, mas nunca é primordial, nunca tem visibilidade. Por isso, eu acredito que é preciso criar essas dissidências, para dar ênfases a essas práticas museais em comunidades tradicionais ou economicamente desfavorecidas e tentar subverter a ordem das coisas. 

Camilla — Em quais setores do museu o museólogo é primordial? Existe disputa entre os profissionais?
Marijara — A presença do museólogo é indispensável em todos os setores do museu e em todos os processos museais. Mas é importante que as ações sejam pensadas e desenvolvidas sempre com a participação de pessoas de outras áreas de conhecimento. É fundamental evitar o isolamento no campo museal e encarar a participação de outros profissionais como fator enriquecedor da área.

Camilla — Em Brasília, muitos museus são vinculados a instituições que não possuem o cargo demuseólogo, como tribunais e o GDF. Qual seria, nesse caso, a melhor saída para os futuros museólogos ?
Marijara — Provocar uma discussão e debater a importância de se ter profissionais museólogos nesses espaços. Segundo o cadastro nacional de museus, Brasília tem 60 instituições museológicas, entretanto, não vemos esse campo ferver em oportunidades para graduados. Acho que o que falta é essas instituições se conscientizarem da importância do papel desse profissional.


Perfis

Marijara Queiroz

Idade
36 anos

O que faz
Professora substituta do curso de museologia da UnB e servidora do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram)

O que pretende
Continuar na carreira docente, sem perder a dimensão técnica da profissão


Camilla Nyarady

Idade
18 anos

O que faz
Estudante do 2º semestre de museologia da UnB

O que pretende
Trabalhar na área de patrimônio intangível — como música e dança — ou com pesquisa de acervo, além de fazer um intercâmbio


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